O mau líder.
A acusação é de assédio moral – um fenômeno tão antigo quanto o trabalho, mas hoje levado mais a sério pela sociedade. O juiz Adeildo Lemos de Sá Cruz, do Recife, foi punido com aposentadoria compulsória por ofender e humilhar, durante anos, seus subordinados. A decisão de punir Sua Excelência foi da Corte Especial do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Uma decisão inédita.
Para os 60 servidores que pediram transferência ao longo de cinco anos por não suportar a pressão do juiz Adeildo, a punição tem um efeito positivo. Resgata a autoestima. Segundo o processo, Adeildo às vezes chamava as servidoras de “p...”, intimidava os subordinados com uma arma sobre a mesa, estabelecia horário para ir ao banheiro. O digníssimo também é acusado de colocar uma funcionária de cara para a parede, de castigo, por estar insatisfeito com o serviço.
Para nós, que não conhecemos o juiz pernambucano, o desfecho tem dois lados. Há um lado surreal. Adeildo, despido da toga, continuará a receber, de pijama, R$ 15 mil por mês até dar seu último suspiro. Ele ganhará aposentadoria proporcional ao tempo de serviço. Essa grana sai do bolso dos brasileiros.
Quinze mil reais para se divertir, depois de ser julgado e condenado? O país precisa redefinir o que significa punição para as castas dos Três Poderes. Especialmente para os iluminados que julgam desvios de conduta.
O outro lado desse caso toca a realidade de cada um de nós. Só afortunados jamais tiveram de engolir, no dia a dia da profissão, um chefe arrogante e cruel, sincero ou dissimulado. O assédio moral não se configura apenas pelas atitudes extremas de Adeildo. O juiz costumava dizer: “O deus aqui sou eu”.
Quantos chefes não se consideram deuses, donos da verdade suprema, superiores a todos que os cercam – e deixam isso claro para seus subordinados, com agressões verbais, manipulações psicológicas ou ironias demolidoras? Ser vítima de assédio moral no trabalho é sentir-se regularmente ofendido, menosprezado, rebaixado, sufocado, constrangido e cerceado.
Quantos profissionais incapazes de exercer uma liderança saudável e positiva são promovidos nas empresas? Passam a vida adulando superiores e infernizando a vida de quem está abaixo na hierarquia.
Uma nova pesquisa, da consultoria Robert Half, publicada na semana passada pelo jornal O Globo, reforça o que já sabemos. As três principais qualidades de um líder são: inspirar outras pessoas, ter ética e ser capaz de tomar decisões.
Gostar de pessoas e ter prazer pelo que faz são requisitos essenciais de um bom líder. Esse é o senso comum. Diz William Monteath, da Robert Half no Rio de Janeiro: “O verdadeiro líder é admirado pelos colegas, ele mostra o caminho”.
E quais seriam os maiores defeitos de um líder? “Desequilíbrio emocional, arrogância e centralização” foram apontados pela pesquisa. Uma pergunta se impõe. Por que razão, se todo mundo já sabe de tudo isso, chefetes desequilibrados, arrogantes e centralizadores continuam na folha de grandes empresas, com a missão de liderar equipes?
Por mais que tenham qualidades indiscutíveis na profissão que escolheram, os maus líderes sofrem de uma limitação: não conseguem inspirar ninguém nem extrair de um comandado o que ele tem de melhor. São, portanto, incompetentes para exercer essa função. Quando admiramos e respeitamos nossos chefes, trabalhamos mais e melhor, por vontade própria.
A Justiça no Recife levou anos para desmascarar o juiz. E as empresas privadas, como conseguem distinguir os bons e os maus líderes? Existe uma inércia natural – influenciada pelo medo, pela burocracia, pelas amizades e pelo rolo compressor da produtividade diária. Existe ainda, na cúpula, uma dificuldade compreensível de assumir erros eventuais. “Não adianta achar”, afirma Julián Lichtmann, sócio diretor da Ingouville, Nelson & Associados, “que promover alguém a cargo de gestão fará dele líder.”
Um dos principais problemas, segundo Monteath, da Robert Half, é “a promoção precoce de profissionais a cargos de gestão sem o devido preparo”. Chefes imaturos e inseguros têm maior dificuldade de admitir seu despreparo nas avaliações internas anuais.
Nem todos os líderes “nascem prontos”, diz o consultor Lichtmann. Liderança também se aprende, e as melhores empresas investem em treinamento. Mas há os que não aprendem nunca: “Um líder é reconhecido pela forma como age, não pelo que fala”. Para um subordinado inteligente, é mole sacar o líder “artificial ou ambíguo”.
Não basta amar o que faz. É preciso gostar de pessoas para ser líder. O juiz Adeildo não gostava nem um pouco de sua equipe. A recíproca costuma ser verdadeira.
Fonte: Revista Época - 16/04/2012 - Nº 726 - Acessado em 15/04/2012 - http://revistaepoca.globo.com/Mente-aberta/ruth-de-aquino/noticia/2012/04/o-mau-lider.html
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